Sobre Isadora Calil

Formada em Relações Internacionais pela PUC-SP e atualmente cursando Pós - Graduação em Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Isadora Calil é escritora, jornalista e tradutora freelancer. Profundamente inspirada por grandes nomes da literatura: Virgínia Woolf; Walt Whitman; Guimarães Rosa; J.M Le Clézio; etc.

Heróis, Anti-heróis e Ethos

Como uma mesma cena pode significar coisas totalmente diferentes? Leia abaixo a comparação que faço entre o western O homem que matou o facínora e a novela Roque Santeiro

Algumas obras têm a capacidade de sugerir em seu subtexto questões importantes para determinada coletividade. Neste texto,  abordarei a intertextualidade entre duas produções que revelam chaves de entendimento para a compreensão de dois ethos opostos. São elas  o filme O homem que matou o facínora (1962), do diretor norte- americano John Ford; e a novela brasileira Roque Santeiro (1985), de Dias Gomes.

Ambas as obras estão visceralmente ligadas ao melodrama – a trama de aventura; mocinhos e bandidos; histórias de amor; os lances inverossímeis que dão maior apelo à narrativa. Os recursos extraídos do gênero visam a criar maior empatia com as plateias ao abordar temas com forte ressonância no imaginário coletivo. São aspectos como a vida nos grotões; o homem simples interposto entre  as forças da virtude e da corrupção, do progresso e do atraso.

Em O homem que matou o facínora (1962), de John Ford, a cisão entre o arcaico e o moderno é patente durante todo o filme, assim como o uso de figuras arquetípicas muito bem delineadas. A trama conta a história do Senador Ransom Stoddard (James Stewart), que acompanhado de sua mulher, Hallie (Vera Miles), volta ao Oeste para enterrar o agora desconhecido Tom Donaphin (John Wayne). Chegando à cidade de Shinbon, encontram as forças do progresso, levadas pela construção da ferrovia,  muito bem instaladas num lugar que, décadas antes, fora o exemplo perfeito da selvageria da frontier.

Instigado pelo editor do jornal local, Stoddard rememora a antiga Shinbon, refém da violência do bando de malfeitores comandado por Liberty Valence, o facínora; assolada pelo desconhecimento da Lei que rege a América avançada – da qual Stoddard, por ser advogado, é símbolo -, e presa à pouca instrução do povo iletrado.

Logo na chegada a Shinbon, Stoddard é roubado e surrado por Liberty Valence. Apesar de furioso e ultrajado, ele não pensa em ir embora da cidade ou, até mesmo, tentar matar Valence; ao contrário, o advogado se mantém firme aos preceitos e à ética que representa e por que luta – ele quer colocar o facínora na prisão.

Interpõe-se na luta entre mocinho e bandido a figura de Tom Daunaphin, homem que,  não obstante  manejar os costumes rudes do Oeste, aparece na tela como uma  representação de uma cidade que vai perdendo sua ligação com os  valores comunitários. Todos os habitantes de Shinbon se envolvem  cada vez com as ideias de Stoddard, ponta de lança da civilização,  e promotor de valores como legalidade e educação.

O encontro entre estes três arquétipos ocorre num pretenso duelo entre Stoddard e Valence. Aquele, revoltado com mais um ato selvagem  deste, dispõe-se a infringir sua lógica e empunhar uma arma para vencer o bandoleiro. O facínora é morto, mas, no desfecho do filme, descobrimos que quem o matou não foi Ransom Stoddard; mas sim Tom Daunaphin.

É neste ponto que a análise do filme torna-se interessante. Por mais que a força do progresso tenha a  recompensa dela, inclusive sendo liberada da culpa de ter vencido por meio de um ato ‘selvagem’, John Ford parece atribuir ao personagem de Daunaphin, representante dos velhos valores, mais características positivas, como coragem e compromisso com a comunidade, do que a Stoddard.

A novela brasileira Roque Santeiro (1985), escrita por Dias Gomes, aproxima-se em certos aspectos do universo de John Ford, focalizando a cidade de Asa Branca, que como Shinbon, vive presa às forças do atraso – representadas pelo coronelismo;  corrupção e messianismo. Este último é o aspecto que oferece conflito à trama, destacando o problema de uma cidade que, além de venerar, vive em função de um santo que nunca morreu, Roque Santeiro (José Wilker), o qual, ao contrário do que todos pensam,  fugiu da cidade roubando dinheiro do coronel Sinhozinho Malta (Lima Duarte), e deixando como culpado de sua pretensa morte o bandido Navalhada (Oswaldo Loureiro).

Este pequeno resumo já oferece um forte contraponto entre as obras em questão. Se no filme de Ford duas figuras heroicas despontam, sendo, para usar nomenclatura do crítico teatral Anatol Rosenfeld, Ramsom Stoddard – um perfeito herói operativo, que usa seus valores para operar mudanças – e Tom Daunaphin, um exemplo de herói representativo, ou seja, representa algo, mas é passivo frente aos acontecimentos; na trama de Dias Gomes o que vemos é um  anti-herói que, muito embora volte à cidade de Asa Branca para reparar seus erros e tentar acabar com o mito de Roque Santeiro,  é marcado por um caráter falho.

O capítulo final da novela intensifica o problema da linha tênue entre virtude e corrupção, que dá as bases para um sistema de recompensas muito diverso ao do western. Retomando a cena chave do filme norte-americano descrita acima, Dias Gomes contrapõe três personagens que se filiam muito imperfeitamente com aquilo que deveriam representar – Navalhada é um ex-facínora, porque se abriu à palavra de Deus na cadeia; Luís Roque é um homem mulherengo e, em certos momentos, revanchista; e Sinhozinho Malta  um coronel que alterna força e sensibilidade.

Veja este vídeo com a junção das duas obras:

 

O resultado final deste encontro é a morte de Navalhada, que, como no western, é abatido pelo homem mais filiado à terra, neste caso Sinhozinho Malta. Se o filme de Ford considera, mesmo que com certa amargura, o progresso como o ganhador do embate; o folhetim brasileiro recompensa o status quo, uma vez que Luís Roque, vivendo o drama de consciência de achar ter matado um homem, vai embora de Asa Branca sem ter esclarecido a população.

Como conclusão, podemos perceber que o ethos norte-americano está fortemente vinculado ao espírito aventureiro de seu povo e à aceitação da destruição criativa gerada pelo progresso; ao passo que, na visão de Dias Gomes, o  brasileiro parece mais alinhado ao espírito conciliatório e à manutenção do status quo.  

Rubem Braga – para ler, ver e ouvir

No ano em que Rubem Braga completaria 100 anos (a data comemorativa foi em 12/01, mas estendemos sempre tudo o que é bom), o Aperte(o)Botão deixa a sua homenagem registrada, agregando algumas informações veiculadas pela imprensa sobre o grande cronista.

1- Duas crônicas (dentre elas a famosa O homem no Mar) levadas ao ar pela Rádio Batuta, do IMS, na seção ‘Especial’. (Link)

2- O jornalista Joaquim Ferreira dos Santos fala sobre o cronista- bem como dá alguns detalhes sobre a exposição que abre no fim de Janeiro no Espírito Santo e o trabalho dele como curador-, no Globo News literatura  (Link)

3- A Cult publicou em seu site uma crônica, maestralmente executada por Braga, que dá conta de levar o leitor para o encontro dele com Jean-Paul Sartre. (Link)

Resenha: Pauliceia de Mil Dentes

Obra polifônica, Pauliceia de Mil Dentes, de Maria José Silveira, surpreende pela  estruturação da trama.

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O tempo está suspenso. Um endereço nobre da capital foi tomado de assalto por um insano. Há reféns. Imprensa, curiosos e  parentes se aglomeram em frente ao local. Todos acompanham a narrativa atentamente. E é assim que, de repente, rompida a película da normalidade coletiva, estamos imersos na subjetividade de diversos personagens.

A escritora Maria José Silveira estrutura a trama de seu mais novo livro, Pauliceia de mil dentes, distanciando o leitor da ação principal.

Um escritório de advocacia situado num dos endereços mais caros da cidade é invadido por um homem, que, até onde se sabe, manteve um relacionamento com uma das estagiarias, agora refém . O narrador surpreende ao não nos levar diretamente ao epicentro da trama. Ao contrário, ele nos encaminha, capítulo a capítulo, aos conflitos individuais de personagens que estabelecem relações das mais diversas com o escritório e o staff dele.

Como um prelúdio a cada capítulo, a mente conturbada do invasor é investigada – são ideias desconexas, produtos da frustração de ter sido preterido pela namorada-, e quadros tridimensionais de ‘seres’ pertencentes ao folclore paulistano são pintados com tintas fortes.

Uma verdadeira teia de relações se estabelece organicamente, e a cidade de milhões torna-se o reduto de algumas histórias de vida, que se chocam, se interpenetram e rompem a barreira entre o mundo íntimo e o vai-e-vem das ruas.

Barreiras, aliás, são desconhecidas em todos os sentidos. O narrador investiga todos os âmbitos de cada personagem, recorrendo aos discursos direto e indireto livre (a voz do narrador se mistura a da personagem) todo o tempo.

À maneira de Virginia Woolf no aclamado Mrs. Dalloway, Silveira cria um estado de apreensão geral derivado de um acontecimento e, a partir dele,  captam-se diversas vozes que, em uníssono, alardeiam a perplexidade do Eu face ao mistério que é a própria existência.

Para saber mais:

Escritora Maria José Silveira lança Pauliceia de mil dentes, pela Editora Prumo

Serviço:

Obra: Pauliceia de Mil Dentes

Autora: Maria José Silveira

Nº de páginas: 334

Preço: R$ 39,90

Editora Prumo 

Olho e Vendaval

Compartilho aqui um texto que fiz como exercício para a minha oficina de escrita criativa. Espero que gostem!

Gerônimo Gama era homem de poucas palavras. Velho ranheta, nos seus setenta e poucos anos, que se sentia o mais rico e esperto entre os mortais. Mesmo debaixo do calor de 31 graus que faz aqui em Pitombo  no verão, andava com cartola na cabeça; terno alinhado; e escorado pela bengala com pegador dourado em formato de tigre.

O silêncio dele era o  jeito de se expressar – o danado falava com o olhar e com o vai e vem das rugas do rosto. Eu, que há anos sirvo a gente de Pitombo atrás deste balcão,  nesta mesma farmácia, lembro bem dele, ainda que trinta anos do acontecido tenham passado. Era figura tão arrogante que numa cidade  colocada de pé em vários níveis de uma colina, teve a desfaçatez   de construir a casa da família no lugar mais elevado, um nível acima ao da Igreja Matriz.

Sempre teve mania de remédio. É estranho: homem dono de um sem -número de pedreiras no Sul de Minas, que morava num palácio- acima da Matriz! – e olhava o povo de cima pra baixo; e que, no fim, se sentia alvo fácil pra qualquer moléstia. Depois que a mulher dele morreu então, vixe! O homem era só pavor da morte,  especialmente a do tipo que derrubou Dona Ermelina Gama- que vai nublando a visão; paralisado pedacinho por pedacinho do corpo; transformando a pessoa num cadáver vivo.

Conto melhor pro senhor o que se passou: o velho queria porque queria escapar do fim último. Estava desesperado. Havia uma cigana, mulher estranha que mal circulava pelas ruas, ficando enfiada num casebre a uns dez quilômetros do centro. Só Deus pra saber que negócios ela tinha com as forças do rabudo. Pro espanto de todos, o velho Gerônimo foi atrás da cigana, como se fosse um ignorante qualquer.

Segundo a boca miúda, a mulher disse a ele, provavelmente tomada pelo demo: “Velho, dá – me o teu olho esquerdo, este é o preço, e eu lhe entrego o elixir que lhe trará certeza de vida eterna, sem peste ou moléstia.”

Qualquer ser humano ia dizer não, mas o Gama, cego de  pavor, fechou com a diaba. Arrancou o olho e deu pra ela em troca da poção.

E eu lhe pergunto: vida eterna? Que nada! Três dias depois uma tempestade chegou a Pitombo, e esta cidade era que só pânico. O pé d’água e o forte vento duraram sete dias. E, doutor, creia em mim- o temporal furioso estacionou foi em cima da casa de Gerônimo Gama. Tudo o que lá estava, inclusive o próprio homem, foi embora com a ventania. As únicas coisas que sobraram do velho foram aqueles pilares de mármore, que deixaram o senhor curioso.

Vinícius Jatobá fala sobre o Fim de Semana do Livro no Porto (FIM)

A cena literária brasileira ganha mais um festival literário. A novidade é o Fim de Semana do Livro no Porto, que promete chacoalhar a zona portuária do Rio de Janeiro, nos dias 20 e 21 de Outubro.

Idealizado pelo escritor e editor Raphael Vidal, a festa levará ao Morro da Conceição uma programação que pretende discutir literatura, jornalismo, mídias digitais e os rumos da cultura no Rio de Janeiro, além de propor uma apropriação e vivência do espaço da comunidade anfitriã.

Com curadoria geral de Vinícius Jatobá (que já passou por aqui), os dois dias do FIM unirão nomes de peso como Ruy Castro, Paulo Lins e Sergio Cabral – para citar apenas alguns -, em bate -papos leves  e inspirados ao redor da boa e velha mesa de bar.

Para saber mais sobre a proposta do FIM, o Aperte o Botão pediu ao ilustríssimo curador da festa que falasse um pouco sobre a escolha do Morro da Conceição como palco para o evento; os desafios que enfrentou à frente da curadoria  e o momento por que passa a cena literária carioca.

Vocês podem conferir o resultado da nossa conversa nas próximas linhas.

Preparem-se: O FIM está próximo!

A(O)B: De maneira geral, qual é a proposta do Fim de Semana do Livro no Porto (FIM)?

Vinícius Jatobá: O FIM começou como um desejo bastante convencional de festa literária para logo em seguida se tornar uma proposta de experiência com a cultura do Rio de Janeiro por meio do universo do livro. Ficou muito claro que deveríamos usar as conversas, que ainda são um elemento importante na festa, como uma forma de estimular a experiência de visita ao Morro da Conceição, e daí partimos para uma programação musical mais integrada com os temas da festa, oficinas que ocupem uma parte do espaço do morro e, principalmente, a abertura entusiasmada dos ateliês de artistas da região.

Pensamos em propor o FIM como o início de um trabalho de diálogo do Rio de Janeiro com seu centro e região portuária, e daí a ideia de publicar um livro explorando por meio de contos o imaginário do porto e centro da cidade, sua história, assim como o pontapé inicial de um instituto que terá oficinas de arte e uma biblioteca pública e fará também capacitações em assistência de produção para jovens da região.

Dessa feita, nós vemos o FIM como um projeto permanente de discussão e debate da história cultural do Rio de Janeiro e da maneira como podemos pensar o futuro da cidade com um pé em sua tradição local e cosmopolita. E para isso seguiremos provocando essa conversa com encontros mensais com escritores e artistas plásticos e historiadores.

Mais que um público geral que venha e assista as conversas, nós do FIM queremos cúmplices: pessoas que se importem com o Rio de Janeiro e pensem em como seguir adiante nas mudanças urbanísticas que a cidade vem sofrendo trazendo para essas transformações o melhor de nossa tradição cultural reforçada e respeitada, propondo uma ocupação criativa e inteligente desse novo Rio de Janeiro que irá surgir nos próximos anos.

Quanto à escolha pelo Morro da Conceição para realizar o evento, há alguma relação com o novo momento por que as comunidades cariocas estão passando com o estabelecimento das UPPs?

Nenhuma. O que pensamos era em fazer uma festa literária que acontecesse no centro da cidade. Raphael Vidal, que tem esse sonho de festa faz mais de cinco anos, e que tem conversado comigo esse tempo todo sobre essa possibilidade, acordou um dia e pensou: por qual motivo não poderia fazer essa festa que tanto quero justamente no lugar em que moro?

Daí foi tudo muito rápido. Ele me mostrou o projeto e li o projeto reescrito e achei fabuloso, e duas semanas depois ele me chamou e disse que existia a chance concreta de fazer a festa. E logo em seguida o Zeh Gustavo, nosso coordenador musical, se juntou ao projeto e depois o Julio Silveira, que foi coordenador da programação digital, também se juntou ao grupo e nos afinamos em reuniões por dois meses, conversando, até que a festa encontrou um conceito e uma estrutura ideal e colocamos a mão na massa.

Como curador geral sempre frisei um recorte descontraído e hedonista para o evento, que sofreu certa resistência pontual, até mesmo do grupo no início. Mas logo vieram as adesões, já que quando você excluí do horizonte de debates certas obsessões como, principalmente,  violência urbana, um leque de assuntos se abre.

A festa saiu da convencional pergunta-resposta para uma proposta de vivência com o Morro da Conceição. Esse foi o arco da festa do embrião até o que ela será nos dias 20 e 21 de outubro. Antes ela era escondida, não queria incomodar, e agora passou a ocupar todo espaço do Morro e, principalmente, ter uma adesão dos moradores. E para isso, a mente criativa e agregadora do Raphael Vidal foi nossa melhor ferramenta: ele realmente engajou um número imenso de pessoas.

Como curador, qual foi o maior desafio na hora de pensar nos temas que seriam abordados pelas mesas?

Ser curador é uma experiência confusa. Levei mais de dois meses para entender o que um curador realmente faz. Tive uma conversa com o Marcelo Moutinho, que tem ampla experiência com curadorias, e ele me passou várias dicas. Ele foi muito prestativo.

No início existe um debate muito empolgado e até certo ponto birrento para os nomes dos autores. Todo mundo acha que pode fazer uma programação melhor que você, mais interessante, então há muita resistência. E foi tudo muito aberto. Em cada reunião eu propunha nomes e pensava em como abrigar meu desejo com o desejo dos outros membros da equipe porque se eles não acreditam nas conversas não podem se engajar no projeto. Alguns nomes sugeridos eu aderi na minha proposta, foi bastante participativo.

Depois de escolher alguns autores-chaves você começa a tentar entender como as obras deles se encontram. Algo que realmente ajudou muito a entender as mesas foi compreender a capacidade física do espaço. Quando você sabe quantas pessoas cabem no espaço do evento você pondera melhor quais autores são os melhores para aquela estrutura. Depois, você faz uma pergunta. A nossa foi: como pensar o passado e o futuro do Rio de Janeiro por meio dos livros? E daí levantei autores, fui em bibliotecas, livrarias, garimpei, conversei com os outros membros da equipe. E fui encontrando perguntas mais específicas.

A resposta sobre o maior desafio da curadoria é dupla, na verdade. De um lado, tentar ao máximo manter a coerência entre os autores e colocá-los na melhor situação possível para falarem com desenvoltura daquilo que eles melhor conhecem. Aí entram relações pessoais entre os autores da conversa, por exemplo. Ou como suas obras se dialogam.

O outro desafio foi mais tenso: resistir a possibilidade de chamar grandes autores cujas obras não dialogam com o conceito desse primeiro FIM apenas porque eles se dispuseram a vir. Você tem um recorte e, de repente, um grande autor que está fora do seu conceito está disponível e gosta do seu trabalho e se dispõem a vir. Então foi algo que eu tive que escolher fazer para tentar manter a coesão das conversas.

O FIM pretende discutir literatura, jornalismo, mídias digitais e… Rio de Janeiro. Como você avalia a cena literária na cidade da Copa e dos Jogos Olímpicos?

O Rio de Janeiro teve um momento rico, com antologias, com revistas literárias, nos primeiros cinco anos da década passada. O Raphael Vidal, idealizador e coordenador do FIM, editou uma revista muito famosa nesse período, a “Bagatelas”. Mas agora esse momento morreu, essa energia morreu, e creio que a curiosidade pela nova literatura feita no Rio de Janeiro morreu.

Há um retorno da invisibilidade do final da década de 1990, principalmente daquilo que os jovens escrevem. Mas acredito que uma nova onda de renovação irá surgir nos próximos anos. Essa nova geração tem que criar suas próprias revistas. Há novas editoras independentes, uma renovação dos blogs, principalmente de poesia, e a multiplicação pontual de eventos literários, de saraus.

Gostaria que o segundo FIM abrigasse um espaço para que essa onda de renovação ganhe força. Teremos um prêmio literário e o Instituto Fim tem entre seus projetos abrigar escritores, e dar espaço para eles escreverem seus livros. E, principalmente, publicarem seus manuscritos guardados. Isso faz parte do nosso compromisso: fazer essa cidade ferver novamente.

Entrevista: A Arte na Encruzilhada

Desde o final do século XIX e início do último século, as expressões que compõem a vivência estética da humanidade vêm passando por um processo de ressignificação. Com o advento da fotografia e o crescimento da importância do cinema, outras  manifestações artísticas, como o teatro, as artes plásticas e a literatura, passaram a conviver com  as possibilidades e problemas da reprodutibilidade técnica – para usar vocabulário do pensador Walter Benjamin.

Num espaço de pouco mais de uma centena de anos, o que antes se fazia presencialmente, como apreciar um belo quadro ou ir ao teatro, transformou-se numa experiência facilmente reproduzível. A imagem, manipulada pela técnica e replicada, molda-se à necessidade do usuário, permitindo a este vivenciar um ‘aqui agora’ em outros tempos-espaços, a partir de qualquer suporte – uma tela de cinema; uma televisão ou, mais modernamente, um smartphone.

A lógica apresentada alterou a capacidade do espectador em se ligar a expressões artísticas caracterizadas tanto por demandar um vínculo mais longo com o espectador quanto por emitir menos estímulos visuais, como a literatura ou o teatro.

Para problematizar a questão acima,  O Aperte o Botão procurou Ivan Feijó. Envolvido há mais de vinte anos com direção teatral e estudos na área dramatúrgica, Ivan é também cineasta e historiador formado pela Universidade de São Paulo (USP).

Ivan Feijó é diretor de teatro, cineasta e historiador.

A(O)B: São comuns as adaptações de livros para o cinema e, no teatro, atualmente, há a utilização de  linguagem  cinematográfica  fundida com a ação nos palcos. Um exemplo recente é a peça Faroeste da Rua Apa. Estamos nos transformando em sociedades cada vez mais visuais, que investem pouco na capacidade do sujeito de criar um mundo em sua própria imaginação? Como você enxerga isso?

Ivan Feijó: Eu não acho que nós estejamos nos transformando numa sociedade voltada para imagem; acredito que nós já tenhamos chegado a isso. Mas eu também  não acho  que o trabalho relativo a ela não seja  imensamente imaginativo – ele é. Essa primeira questão relacionada à imagem.

Ao estabelecermos uma relação entre a imagem e a literatura, e este tipo de imagem e o teatro, aí sim a gente detecta um problema. Uma diferença expressiva. A maneira como o teatro lida com a imagem é totalmente diferente  da imagem que passa por instrumentos mecânicos- por uma câmera; por recursos digitais. No teatro não há este tipo de intermediação tecnológica entre você e o receptor; o teatro trabalha com a imagem diretamente com o público.

O teatro é um tipo de expressão  extremamente coletiva, extremamente presencial, que necessita e estimula a interação solidária. Por isso,  é uma expressão hoje que passa por uma crise tremenda. É quase um anacronismo teatro no século XXI. Ela não é a arte deste momento civilizacional. Definitivamente, não é a expressão artística do nosso tempo, uma vez que estamos num momento histórico em que a gestão civilizatória alimenta a individualidade; o não presencial; o egoísmo. Resumindo, os valores que estão na mesa neste momento são oposto aos valores que a expressão teatral precisa e oferece.

Para ilustrar: eu estava com uma peça teatral em cartaz ano passado, no segundo semestre, e me foi proposto por uma empresa que filma teatro que eu liberasse a que da peça  para que ela fosse disponibilizada na internet, num site em que as pessoas poderiam assisti-la mediante pagamento de uma taxa. Eu fui totalmente contra a filmagem. Por motivos óbvios: o teatro não pode ser filmado. Se filmado, deixa instantaneamente de ser teatro.

Ao você olhar uma peça filmada, você não está em contato com aquele evento artístico, com aquela expressão.  Ao contrário, você está em contato com algo que não foi feito para ser filmado, descaracterizado, diluído e perdido o seu poder de comunicação, mostrado em um meio que em nada vai valorizar esta expressão.

O teatro perdeu o seu poder? 

O teatro não perdeu seu poder. O poder do teatro é um poder atomizado, latente. É da própria expressão. Ele passa por um momento em que se liberta de qualquer naturalismo; que deixa de ser novela ao vivo, e vai exercer o seu poder diante do público. Não dá para você imaginar a narrativa de grandes encenadores – como Antunes Filho, Antônio Araújo ou Pina Bausch – filmada.

Quando você vai numa peça de teatro, assiste e não consegue imaginar como aquilo poderia ser dito de outra maneira, você está no evento teatral. Agora, quando você vai ao espetáculo e sai dizendo ‘Nossa, isso daria um bom filme’, há um problema.

Com relação à literatura, ela entra numa esfera de uma análise comparada com a expressão do cinema numa frequência diferente do teatro. Há uma tipo diferente de mediação. O público diante do cinema está numa posição de ‘estou apenas assistindo’. Na literatura, existe o ato de ler e o ato de se ler uma imagem, pensando no caso de pessoas que leem na internet.

Como diretor de cinema e teatro, a literatura funciona como objeto de trabalho e estudo quando ela se relaciona com cinema. É o caso do roteiro cinematográfico. Eu não me sinto confortável em chamar o roteiro e a peça  teatral, a dramaturgia, de literatura. Há , para mim, uma diferença entre os três.

Claro que Shakespeare é literatura, foi uma grande autor. Mas que foi decupado das mais variadas maneiras, podendo ser lido de forma literária, mas diferente da dramaturgia de hoje. Por quê? Porque como homem de teatro eu me recuso a ver a dramaturgia como uma coisa estática. A dramaturgia é algo vivo. Ela só se realiza se  for encenada, porque ela foi feita para ser encenada. Quando você perguntou literatura, a leitura que tive não foi nem dramaturgia nem roteiro de cinema.

Atualmente, eu sinto  que há  uma valorização da leitura, o que não significa que as pessoas leiam muito. Percebe-se no mundo editorial uma mudança na estratégia de cooptação de novos leitores. As festas literárias, as livrarias que oferecem espaços com eventos e workshops. O uso da literatura como forma de sociabilidade entre iguais, pessoas que gostam de ler.

O sentido da minha pergunta vem de uma sensação de que a imagem, por nos colocar numa posição de passividade,  seria algo confortável. Mas é claro que  nem toda imagem é confortável. É só pensar, por exemplo,  num filme do Tarkóvski.

Sim, de fato, a imagem atingiu de forma mais contundente uma zona de conforto. Embora não estejamos falando da utilização do aparelho de televisão na sua forma mais corriqueira, é importante ressaltar que ela muitas vezes desempenha um papel de obstrução criativa. Você não exerce seu poder de decisão e nem o seu poder criativo. Você absorve um mundo já pronto para você. Você opta por modelos aos quais vai se associar. Não produz suas alternativas.

Há autores que falam sobre isso. Eu recomendo o Zygmunt Bauman;  e outras leituras que ainda são atuais como Walter Benjamin, Adorno,  Débord,  que já pensavam nisso que o Bauman chama de sociedade líquida. São autores que  não imaginavam que seria de uma forma tão grotesca e tão agigantada. Esses intelectuais vêm pensado nisso desde o século XIX.  O Baudelaire já é um moderno que pensa e elabora os rumos que o capitalismo estava tomando. A crueldade dos paradigmas de gestão civilizatória já era evidente na segunda metade do século.

Quando projeta o que seria o liberalismo, Adam Smith acreditava que a ordem natural da sociedade seria uma ordem social mais justa e igualitária. O prognóstico era esse. Mas quando na segunda metade do século, intelectuais se depararam com a miséria dos operários nas fábricas e nas ruas, além do agigantamento da população, perceberam que o mostro estava em pleno desenvolvimento. Marx publica O Capital em 1867. Um autor muito pouco conhecido no Brasil, Gerard de Nerval, por exemplo, se enforcou num poste; algo muito simbólico de se fazer.

É no século XIX que se constrói a ideia de progresso, que se atrela de forma muito desonesta com a teoria do Darwin, neste pensamento de que o homem de hoje está determinado a ser pior que o do futuro e acima ao do passado. Essa ideia falsa de progresso é plantada e construída no século XIX e entra no século XX com toda força.

É claro que já existiram civilizações do passado superiores a nossa do ponto de vista civilizatório – não estou falando de tecnologia; assim como no futuro existirão civilizações tanto superiores quanto inferiores.

Basicamente, você quer dizer que a história é circular.

Exatamente. Este tempo histórico em linha reta, esta cronologia, é uma construção do século XIX, quando a História surge como “ciência” , passando a ser uma disciplina ministrada nas Academias. Ela surge  para legitimar  processos de construção de mitos de origem, mitos nacionais. Junto com isso, o   historiador passa a legitimar também  uma nova gestão de civilização baseada no capitalismo. A leitura que se faz à época é a de que se havia chegado a um ápice civilizacional.

Entretanto, depois  disso vêm duas guerras e o choque causado pelos conflitos forçam os intelectuais a uma autocrítica  e a um questionamento do modelo.

Neste momento em que estamos vivendo, no século XXI, há muitos arautos da crise. Muita gente dizendo que o modelo se esgotou, mas sem saber muito bem para onde devemos ir. Não é à toa que desde o fim os anos 60 não tem mais movimento artístico nas artes plásticas. Você está imerso na fragmentação. Um movimento precisa de unidade para florescer. O problema não é a diversidade estética da produção; é a diversidade ideológica ou a falta total de ideologia. Eu estou falando de uma pulverização.

Neste contexto, o teatro é um termômetro de civilidade, da qualidade das relações humanas. Ele sempre desempenhou este papel na história da civilização.

Explorando a relação entre cinema e literatura,  existe algo que a linguagem literária mobiliza que o cinema não consegue captar, mesmo dispondo de tecnologia para tal? 

Sim, com certeza. Só para ilustrar esta questão, podemos pegar a forma  como o Tarkóvski vê a literatura.  Para ele uma grande obra literária não pode ser filmada. Ele diz isso no livro autobiográfico dele, Esculpir o Tempo.

 Para falar de um  Romance, um  monumento da literatura: foi feito um longa metragem de Em Busca do Tempo perdido, do Proust. Houve investimento, escalaram bons atores; mas, mesmo com tudo isso, não dá. É uma questão de tempo dramático. O grande diferencial sensorial entre as expressões artísticas é, para citar Tarkóvski, a forma como elas esculpem o tempo;  relacionam-se com ele. Em outras palavras, como o tempo se comporta de forma diferenciada em cada uma delas.

As expressões artísticas são unas, únicas na sua expressão. A escultura, por exemplo, oferece paradigmas de sensorialização que nenhuma outra arte oferece. E é assim com outras, como a literatura. Neste caso, aquilo que a esta expressão tem de único é  relação entre palavras, além da possibilidade de que a mundividência individual se manifeste na hora de se imaginar as situações descritas. Muito embora o texto seja o mesmo para todos,  eu e você imaginaremos o sanatório de tuberculosos de A Montanha Mágica de formas completamente diferentes.

Deixem o ‘Desagradável’ Passar!

 Abaixo uma resenha minha abordando a reapresentação da minissérie Engraçadinha, que foi levada ao ar pelo canal Viva em Agosto/ início de Setembro. Mais do que falar  sobre a minissérie, eu faço algumas considerações a respeito da obra de Nelson Rodrigues, a qual passou por uma radical mudança de status dentro da literatura e dramaturgia – de produto de um autor ‘desagradável’ passou a ser encarada como uma espécie de clássico necessário. Vale a pena conferir!

O canal pago VIVA  reprisa a partir do dia vinte de Agosto a minissérie Engraçadinha, baseada no folhetim de Nelson Rodrigues Asfalto Selvagem: Engraçadinha, Seus Amores e Seus Pecados.A volta da minissérie, com texto de Leopoldo Serran e direção geral  de Denise Saraceni, integra a lista de homenagens ao centenário do escritor brasileiro.

Fonte: Memória da Globo

A trama aborda a vida da personagem, Engraçadinha, em dois momentos críticos da trajetória dela. Na primeira fase, vivendo na conservadora sociedade de Vitória (ES) dos anos 40, a personagem, então com dezoito anos, interpretada neste momento por Alessandra Negrini, está às voltas com a revelação que o pai, o deputado Dr. Arnaldo (Cláudio Corrêa e Castro) , faz a ela pouco antes de morrer. Silvio (Angelo Antônio), homem por quem sempre fora apaixonada e de quem carrega um filho, não era seu primo; mas sim seu irmão.

A imoralidade e perversão representadas pelo incesto são as únicas formas de barrar o desejo de Engraçadinha por Silvio, já que nem a iminência do casamento deste com Letícia ( Maria Luísa Mendonça), prima de ambos, ou até mesmo o próprio noivado dela com Zózimo (Pedro Paulo Rangel) foram suficientes.

Após a morte de Dr. Arnaldo, uma onda de boatos infundados toma conta de Vitória. De acordo com o falatório, instigado pelo promotor recém- chegado, Odorico Quintela (Paulo Betti); Engraçadinha teria tido um caso com o próprio pai, o qual, por não aguentar a pressão do desejo pela filha, acabara por cometer suicídio. É neste contexto que a moça, grávida do irmão e alvo da maledicência, resolve reatar seu compromisso com Zózimo, casar  e abandonar a capital capixaba rumo ao subúrbio do Rio de Janeiro.

Vinte anos depois dos eventos em Vitória, Engraçadinha, agora vivida por Cláudia Raia, transformou-se numa protestante fervorosa e rígida mãe de família com três filhos. Apesar do comedimento auto-imposto, ela acaba se reencontrando com o dragão do desejo; e desta vez ele tem duas cabeças.

Uma das cabeças é a de Luís Cláudio (Alexandre Borges), com quem inicia um tórrido caso de amor; e a outra é a de Letícia, a prima, que, logo no início da trama, confessa sua paixão por Engraçadinha e suplica para que esta se entregue a ela por uma noite.

Letícia, depois de duas décadas de afastamento, desembarca no Rio em busca da prima. Sua paixão por Engraçadinha não arrefeceu, e, num golpe de sorte, acaba descobrindo o adultério. A partir daí começa a chantagem : caso Engraçadinha não se entregue a ela, ou ofereça a filha de dezoito anos, Silene, em seu lugar, Letícia revelará a Durval, filho de Engraçadinha – que nutre um ciúmes doentio da mãe -, o caso desta com Luís Cláudio.

Está armado o conflito do melodrama rodriguiano, que contrasta a vida mundana do ‘homem médio’ com os embates mais renhidos da psique humana.

A grande força da minissérie é explorar a dualidade das personagens por intermédio dos pensamentos delas, seguindo a trilha proposta por Nelson Rodrigues. O artifício do voice over permite que o mundo íntimo  seja revelando ao espectador, libertando a trama do efeito redutor dos clichês. A fricção entre a righteous persona do espaço público e o obscuro mundo privado empresta atemporalidade e poder à obra.

A linguagem do melodrama talha a forma –  atuações teatralizadas;  cenários que remetem ao kitsch;  situações extremas puxadas por personagens quase caricaturais. Todos esses são elementos que emolduram e contextualizam  as cenas de sexo, nudez e violência.

Logo nos primeiros minutos, o espectador é informado de quais são as regras do jogo rodriguiano. Na primeira cena, durante o enterro de Dr. Arnaldo, Odorico Quintela toma a palavra, e apesar de um discurso  moralista, seus pensamentos cheios de lascívia preenchem o quadro. Neles, Odorico faz menção aos ‘peitinhos da Engraçadinha’, a qual já aparece no vídeo com os seios à mostra, revelando visualmente a fantasia do discursista.

A nudez é um aspecto que por muito tempo dificultou a transposição de Nelson Rodrigues a mídias ligadas ao grande público. No entanto, este não é um elemento tão insidioso e chocante quanto a insistência do autor em devassar os pensamentos mais torpes das personagens e contá-los  ao espectador. Bete Waldmann, livre docente da USP e coautora do livro Nelson Rodrigues, diz em entrevista à Ocupação Nelson Rodrigues, apoiada pelo Itaú Cultural, que a má-fama carregada pela obra rodriguiana por longos anos vinha exatamente do fato dele escancarar tudo aquilo que normalmente ficaria recalcado.

A televisão, mídia de massa por excelência, concedeu a Nelson Rodrigues uma espécie de laissez- passer durante os anos 90. Depois da exibição de Engraçadinha, em 1995, o Fantástico incluiu, no ano seguinte, episódios da antologia A vida como Ela É em sua grade – estes, aliás, vem sendo reapresentados desde vinte e três de Agosto pelo programa, também no intuito de prestar homenagem ao centenário.

Com a evolução e amadurecimento por que passou o Brasil nas últimas duas décadas, as homenagens a um escritor tão polêmico quanto Nelson Rodrigues podem ser entendidas como um ato de desagravo. O público brasileiro está cada vez mais disposto a  enxergar sem verniz a linha tênue entre violência e afeto; perversão e moralidade – aspectos que extravasam o inconsciente coletivo para ganhar forma em palcos e sets.

O País deixa, enfim, o ‘Desagradável’ passar.

Virginia Woolf – para ler e ver

As dicas desta semana estão relacionadas a um mesmo tema: a vida da escritora Virgínia Woolf.

1- Maria Popova do Brain Pickings adora o livro ‘As 50 maiores cartas de amor’, especialmente as partes dedicadas ao caso amoroso entre Virginia Woolf e Vita Sackville- West. Neste ano, dois techos de ‘missivas’ foram publicados. O tórrido affaire entre as duas foi primeiro postado aqui. Nesta carta Woolf pede: ‘ Separe-se do seu homem, eu rogo, e venha.’

Este foi o desfecho de uma belíssima réplica a uma carta anterior escrita por Vita, e postada no Brain Pickings aqui, em que esta traduz seu sentimento de forma direta: ‘Eu estou reduzida a uma coisa que quer Virginia’.

Pena que o furor das cartas não reflita inteiramente a realidade…

2- Apesar dos arroubos poéticos das declarações de amor, a vida de Vita e Virginia foi tudo menos um mar de lirismo. Em Sou dona da minha alma, biografia assinada por Nadia Fusini, vemos a relação das duas melhor contextualizada na intrincada teia de relações que Woolf estabelecia com todos que a cercavam.

No capítulo ‘Uma linda Máscara’ (pp.178-80), temos uma visão panorâmica da relação por vezes conflituosa:

“[D]e sua parte, Vita confessou: enganara-a, tinha sido má, má demais com ela. Quanto a Virgínia, admitiu que tinha ciúme. E continuou a invocá-la: ” Venha, adorada criatura, quero lhe dar um casto beijo”. Mas, a essa altura, o medo vencia o desejo, pois Vita só conseguia cansar-se dela (…) E depois, descobrira como Vita era feita: “Tinha o coração de pedra”. Talvez fosse melhor se o caso continuasse por carta, ficaria para sempre alegre, ardente,  vivaz, inocente. “Inocente do ponto de vista espiritual”, acrescentou, pois certamente não era platônico”. (p.179)

3- Para quem quiser conhecer melhor a vida e obra de Virginia Woolf, posto aqui um documentário produzido pela Paramount , intitulado ‘A Mente e Tempo de Virgínia Woolf’.

Parte 1

Parte 2

Parte 3

Três dicas da semana – para ler e ouvir

Segunda é dia de dica da semana. Veja abaixo as nossas sugestões:

1- Indico texto de Fernanda Torres, publicado na revista Piauí  (link). A atriz conta que ao assistir Xingu, filme produzido por Fernando Meirelles, teve a viva lembrança da sua  participação no longa Kuarup (1989), dirigido por Ruy Guerra. Mais do que relatar os dia a dia do set, Torres comenta algumas das transformações por que passou o cinema nacional no começo dos anos 90, quando foi decretado o fim da Embrafilme.

2- Maria Popova, do Brain Pickings, iniciou um novo projeto cultural. Trata-se do Literary Jukebox, uma mistura de livro de citações e jukebox. Popova pensa numa citação, tirada do vasto acervo que é a sua cabeça, e a combina com uma música que aborde a mesma temática. Eu sugiro a dobradinha da escritora Susan Sontag com a banda inglesa The Magic Numbers (link)

3- Indico o livro …ismos para entender cinema, de Ronald Bergan. Neste pequeno
almanaque lançado pela editora Globo, os interessados pela sétima arte poderão ter uma visão panorâmica e rápida das diversas vertentes que compuseram a história do cinema. Do Ilusionismo de Méliès ao pós-modernismo de Woody Allen, este pequeno e despretensioso livro ajuda os leitores a captar o contexto do ‘ismo’ em questão, bem como aponta os principais cineastas e filmes que o compõem. ( Em promoção na Livraria Cultura, de R$39,90 por R$19,95).